Londres, 2027. Theo Faron (Clive Owen) é um funcionário discreto a viver numa sociedade em desagregação. Há mais de 18 anos que não nasce uma única criança no mundo inteiro. A Humanidade está a envelhecer mas não está a ficar mais calma. O mundo está repleto de enormes problemas sociais e a anarquia só é repelida por uma crescente opressão social.
Theo é contactado pela resistência através de uma velha conhecida, Julian (Julian Moore). Ela precisa de retirar uma pessoa da cidade (já não existe direito de circulação) e pede a Theo que fale com um primo, alguém bem colocado politicamente, para obter os respectivos papéis. Theo acha muito perigoso e recusa, apesar de Julian lhe oferecer 5.000 libras.
Apesar da sua primeira resposta, encontra-se com o primo que vive numa região isolada da cidade e consegue obter os papéis. A certificação de trânsito obriga-o a acompanhar a tal pessoa. Theo, pouco depois, descobre que essa pessoa, Kee (Claire Hope), é uma rapariga. Grávida.
A esterilidade da espécie humana pode ser interpretada como mais uma variante da vingança da Natureza. A Humanidade está a destruir o ecossistema terrestre, a esgotar os seus recursos e a multiplicar-se como um vírus que destrói o hospedeiro. Esta ideia radica na teoria de Gaia: a biosfera do planeta é um organismo. Como os outros organismos possui um sistema imunitário que entra em acção contra os elementos que o perigam. Gaia, na versão Némesis, encontra eventualmente uma forma de erradicar o problema homem. Um exemplo recente (se bem que falhado) é o filme de 2008 de Shyamalan, The Happening, onde são as plantas o veículo dessa resposta. Em outro filme recente, The Road baseado no livro de Cormac McCarthy, vê-se o depois de uma dessas catástrofes não explicada pela narrativa (a morte quase total da vida vegetal e animal enquanto alimento do homem é um pouco sobrenatural). Mais seminal, se bem que localizado numa vila, é a história contada em The Birds de Hitchcock.
Esta infertilidade mundial é um fenómeno mágico, sem explicação científica. Igualmente mágica parece ser a semente de uma nova era: a gravidez de Kee, uma jovem sozinha e inocente no seio daquele caos. A fuga a uma sociedade que ameaça o seu novo estatuto milagroso, possui reflexos no evento único da mitologia cristã que é o nascimento de Cristo. Para reforçar o paralelo, o filme tem uma cena desnecessária onde Theo descobre que Kee está grávida precisamente numa manjedoura...
Outra possibilidade de interpretação (não necessariamente oposta à primeira mas sim complementar) é ver no filme o resultado de uma dinâmica social falhada. O realizador torna bem nítida as diferenças sociais. Quando Theo contacta o corpo dirigente há uma brusca mudança estética, uma tensa acalmia rodeada num silêncio incómodo, o luxo ainda possível de uma civilização a findar, com o David Renascentista e o Guernica de Picasso (aqui, também a metáfora da destruição). Tudo isto, enquanto a imensa massa popular vagueia nas ruas entre a miséria, a apatia, o vandalismo e o terrorismo. Por fim, existe a guarda pretoriana de qualquer ditadura: as forças de segurança que separam os ricos dos pobres nesta crescente caminhada para a anarquia.
Considerando a dinâmica social actual, e o facto do filme se passar na Inglaterra, a terra do liberalismo, esta será uma crítica ao sistema capitalista. Há também uma forte mensagem sobre a imigração e as subsequentes respostas xenófobas ao problema. Se a esterilidade global é o motivo que avança a narrativa, a desagregação social é o pano de fundo que dá profundidade e grande valor crítico a este filme. Existem igualmente pistas sobre a questão da segurança e do preço a pagar por ela (como na cena a relembrar Abu Ghraib no Iraque)
Theo (do grego, deus) é o nosso anfitrião nesta caminhada por uma sociedade que se desintegra. Apesar da violência, ele mantém a esperança numa qualquer civilidade perdida. Comporta-se o melhor possível, dadas as circunstâncias. Há algo nele vindo de um passado que se recusa a morrer. Apesar de testemunhar os arbítrios e violência tanto do corpo dirigente como da força rebelde, recusa a violência, não usa armas, não se deixa contaminar totalmente. A sociedade não tem uma morte igualmente fácil em cada um de nós.
O filme é uma adaptação do realizador Alfonso Cuaron do livro distópico de P. D. James de 1992. Apesar de existem diferenças entre as duas obras, a escritora gostou do filme e disse-se orgulhosa por estar relacionada com o projecto.
Um dos melhores filmes Sci-Fi de 2000-2009.
Imdb: http://www.imdb.com/title/tt0206634/
Também é um dos meus filmes favoritos pós ano 2000 =)
ResponderEliminarUm futuro tão real quanto assustador!
Obrigado pelo comentário (o 1º do blog!!)
ResponderEliminarGosto muito destes filmes distópicos. Outro recente entre os meus preferidos é o "V for Vendetta" (que espero falar dele no futuro). Infelizmente são poucos.
Abraço,
Eia, não sabia que era o 1º ;)
ResponderEliminaro V também é um belo de um filme!
Continuação do óptimo trabalho,
Abraço
Children of Men é um daqueles filmes que não está longe de ser o reality show que você pode obter com o novo estilo de vida para muitas gerações, pessoalmente o trabalho de Clive Owen parece muito importante, não tinha visto outro filme que vai gostar de mim, até que ele começou a série The Knick que participa, que assim como a personalidade do ator, é muito enigmática e tem o toque perfeito de suspense para atrair.
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