quinta-feira, 26 de maio de 2011

Mallick

É hoje a estreia!

(isto tem estado um pouco parado por n motivos que me roubam o tempo e disponibilidade, mas não é, espero, uma situação definitiva)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Z.P.G. (1972)

Num futuro não muito distante, a população humana chegou a limites incomportáveis. O ambiente está praticamente destruído, existe um smog pesadíssimo sobre as cidades, a maioria das espécies estão extintas, o alimento é racionado. O regime político mundial tomou a decisão de proibir o nascimento de bebés durante 25 anos para conter o crescimento populacional.

Três anos se passam. Ter bebés tornou-se o pior crime social. Para conter os problemas sociais e psicológicos, o sistema providencia crianças robots às mulheres mais novas. Estes robots possuem alguma capacidade vocal e motora, chamando pela mãe, pedido afecto e até sendo capazes de simular doenças.

Para além disso, cada casa, em pelo menos uma das suas paredes, permite que o sistema político tenha acesso ao interior para falar com quem lá habita. Isto ajuda a um maior controlo e monitorização do estado mental dos cidadãos, nomeadamente às mulheres que sofrem com a política de crescimento negativo. O filme mostra como é comum o uso de técnicas de lavagem cerebral para forçar a mulheres a seguir o seu papel de mães fictícias em relação às crianças robot.

Carol McNeil (Geraldine Chaplin: The Age of Innocence, Hable con Ella, The Wolfman) vive uma vida normalizada. Trabalha com o marido, Russ McNeil (Oliver Reed: The Devils, The House of Usher, Gladiator) e com um casal vizinho, no museu do século XX onde recriam cenas familiares da década de 70 (e onde se podem ver raros exemplares de plantas e muitos animais embalsamados).

Carol tem um desejo muito forte de ter um bebé. Apesar de tudo o que lhe dizem ao contrário, apesar do perigo de morte que esse acto enfrenta, apesar da aparente indiferença do marido. Carol não consegue admitir a derrota que o seu pai, um antigo pediatra, demonstra: "If this is living, I'm alive"

This is your only reality

Z.P.G. significa Zero Population Growth (na verdade, sem nascimentos, a população começaria a decrescer rapidamente) e é um filme distópico muito subvalorizado e quase esquecido. O argumento foca problemas relacionados não muito distantes da nossa própria realidade: o crescimento populacional e a questão da poluição e destruição dos recursos naturais. Na questão do controle de natalidade, o filme antecipou a medida aplicada desde 1978, na China, à restrição de nascimentos. Se bem que o primeiro problema era muito pior da década de 1970, já que o crescimento populacional está a decrescer, a questão dos recursos naturais continua muito actual, infelizmente. A resposta sugerida no filme tem a ver com uma atmosfera irrespirável, mas hoje pensa-se que os maiores problemas virão do aquecimento generalizado que o planeta está a sofrer e cujas consequências não se conseguem prever (e como só temos um ecossistema, talvez não devêssemos brincar muito com a sua dinâmica).

Há quem veja ligações entre este filme e o posterior Logan's Run, como se se passassem na mesma realidade: o sistema social falido, um ecossistema destruído, e pessoas a tentar encontrar-se entre a limitada liberdade que conseguem criar. Na minha opinião, Z.P.G. é um pouco melhor que Logan's Run mas a sua fama é muito menor. Em relação ao top distópico que fiz recentemente (só descobri Z.P.G. depois de a fazer) colocaria este filme no segundo terço da lista.

[spoilers]

A meio do filme, quando o bebé nasce e é descoberto pelo casal amigo, o enredo muda de foco para o conflito entre as duas mulheres, uma mãe contra uma mulher que sofre uma intensa depressão pela falta de filhos e que vê nesta situação uma oportunidade de recuperar a sua sanidade. Esta tensão psicológica, que relega o tecido social para segundo plano até quase ao fim do filme, aumenta o interesse e valor do filme. No fim do filme, o casal McNeil consegue fugir da aplicação da pena de morte, dado que o seu crime é descoberto, e foge para o que parece ser uma terra de ninguém. Ao mesmo tempo desolado (como se tivesse ocorrido, há muito tempo, uma guerra nuclear) mas também portador de alguma esperança, já que se percebe que o sistema ditatorial deve ter como âmbito o domínio das cidades, e onde eles terminam até a atmosfera é respirável. Como resposta ao psicólogo, Carol poderia dizer: "There are other realities".

Mais um bom exemplo da excelente década para a SciFi que foram os anos 70.



Imdb: http://www.imdb.com/title/tt0069530/

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Filmes Imaginários: A Nave Invencível

Este é o início de uma secção sobre livros de SciFi que nunca foram adaptados a cinema mas que poderiam resultar em excelentes filmes. A relação entre romances e cinema nos géneros do terror e da ficção científica é já muito antiga. Frankenstein de 1910, Dr. Jekyll and Mr. Hyde de 1912 ou o Golem de 1915 são os primeiros exemplos mais famosos. Pelo menos estes estão livres da camisa de forças cultural que é o copyright e podem ser vistos (aqui, aqui e aqui).

Frankenstein de 1910

Muitos autores seminais do género, como Edgar Allen Poe ou Lovecraft, Mary Shelley ou Bram Stoker, têm sido adaptados repetidamente para filme. O mesmo aconteceu na SciFi, desde os clássicos de Júlio Verne ou H.G.Wells. Alguns autores têm sido muito adaptados, em detrimento de outros, havendo uma forte tendência na escolha de autores de língua inglesa.

Stanislaw Lem é um autor polaco de SciFi, cuja maior parte da sua obra decorreu entre os anos 60 e 80. Autor de excelentes histórias, a mais conhecida é Solaris, duplamente adaptada ao cinema por Andrei Tarkovsky e Steven Soderberg. Os enredos de Lem focam principalmente as questões do conhecimento e da comunicação entre diferentes espécies inteligentes (até em Solaris é esse o tema de fundo, onde a trama se desenvolve). Normalmente, Lem é pessimista. Ele considerava que demasiado nos separa para que uma comunicação efectiva, com algum significado, se estabeleça. Um livro exemplar desta dificuldade é Fiasco, uma das suas últimas obras de ficção (e publicada pela Europa-América na colecção Nébula).

Stanislaw Lem

Mas, se exceptuarmos a Polónia, Lem não tem servido de inspiração para cineastas. Há uma série alemã sobre as aventuras de Ijon Tichy, as referidas adaptações de Solaris e praticamente mais nada. Um dos livros que melhor se adaptaria ao cinema é "Niezwyciezony", conhecido aqui como "A Nave Invencível" título da edição portuguesa da colecção Argonauta (nº264).

Claro que os posts desta secção são apenas um motivo para vos levar a ler os respectivos livros. Mas talvez vos convença que, se bem feito, esta história daria um excelente filme de SciFi. Se Lem em vez de polaco fosse americano, creio que já teríamos uma adaptação para livro (e eventual remake). Injusto, mas as coisas são como são...

O romance começa com um cruzador de guerra terrestre a aterrar no planeta Regis III . O objectivo da missão é investigar o desaparecimento da sua nave irmã, Condor. O planeta parece desabitado, deserto, sem vida, o que adensa o mistério. As naves em questão são extremamente poderosas e, se fosse um inimigo a razão da sua destruição, este teria de ser muitíssimo perigoso.

No decorrer do livro a tripulação percebe que existe, de facto, um perigo à superfície do planeta. Só que não é vivo, nem é propriamente um inimigo. O planeta está infectado por enxames de nano-máquinas que destroem tudo o que se lhes depara à frente. E à sua frente encontra-se uma nave invencível para derrotar. A segunda.

O livro discute a questão da nanotecnologia, em 1964, antecipando em muito, na ficção, este tema tecnológico. Hoje em dia é comum encontrar nanotecnologia em filmes e romance. Por exemplo, o remake do The Day The Earth Stood Still usa enxames de nano-máquinas como arma de destruição, outros filmes recentes são I, Robot, Doom ou Terminator 3. Nos romances, talvez o mais conhecido seja Prey de Michael Crichton, havendo também o The Diamond Age do escritor cyberpunk, Neal Stephenson. O jogo de computador Crysis usa bastante este conceito. Mas pouco ou nada disto se falava em 1964.

Lem discute a possibilidade do planeta ter assistido ao que, hoje em dia, se chama uma Singularidade Tecnológica. Normalmente imagina-se esta situação com o advento de uma inteligência artificial mais inteligente que o Homem. Esta IA é então capaz de criar outra IA ainda melhor, e assim sucessivamente, até que a Humanidade perde totalmente o controlo da situação e é ultrapassado por uma gama de acontecimentos exponencialmente mais rápidos (e provavelmente acaba mal). Mas existe a possibilidade de isto ocorrer através de robots tão simples como bactérias. Este processos também podem ultrapassar os seus criadores orgânicos, porque possuem a capacidade de auto-replicação e podem, supõe-se, evoluir de forma Lamarckiana, ou seja, usando a experiência como padrão para criar a próxima geração.
Isto significa que a evolução natural é acelerada milhões de vezes, tendo uma quase ilimitada capacidade de adaptação. E essa característica pode permitir vencer a batalha contra os seus criadores, até contra robots maiores e individualmente mais poderosos. Como vencer um vírus que, em comunicando com os seus vizinhos, decide como evoluir?

Ambas as situações são exemplos da Lei das Consequências não Antecipadas, que basicamente diz ser impossível prever os eventos produzidos por um sistema suficientemente complexo. Um filme que usa esta temática é o Jurassic Park de Spielberg (adaptado de um outro livro de Crichton).

A questão da auto-replicação mecânica é um assunto estudado desde o trabalho de John von Neumann sobre autómatos replicantes na década de 40, e tem dado pequenos passos desde então. Uma das possibilidades para a futura exploração espacial seria enviar sondas para outros sistemas solares e, quando lá chegassem, criariam, a partir dos recursos locais, cópias de si mesmas para serem enviadas para os sistemas vizinhos. Desta forma, dado suficiente tempo, poderia ser possível explorar a galáxia com impacto económico mínimo.

Mas voltando ao livro. Num dos capítulos mais cinematográficos, o comandante da nave decide enviar a sua unidade de combate mais poderosa para lutar contra o enxame, o enorme robot de guerra, Ciclope, com praticamente ilimitado poder de fogo (mas não suficiente, suspeito, para derrotar a situação financeira portuguesa).


Quando o enxame detecta Ciclope, começa uma batalha de enormes proporções. O robot é capaz de destruir biliões de unidades individuais, mas os tripulantes da nave observam com apreensão o aparecimento de nuvens e nuvens de mais nano-máquinas. São triliões e triliões de unidades individuais que sobrecarregam as armas de Ciclope até ele se descontrolar e tornar-se caótico, pondo em perigo até a integridade da própria nave, que se vê obrigada a destruí-lo (aqui há traços literários do velho monstro Frankenstein e de como a tecnologia se pode virar contra o seu criador).

Por fim, a tripulação percebe que este inimigo não é um inimigo. O que eles estiveram a lutar foi contra o actual ecossistema do planeta e que, assim, aquela luta não tinha qualquer sentido. No Moby Dick, Herman Melville diz-nos que não faz sentido uma pessoa vingar-se de um animal. O mesmo se pode dizer de um enxame.

sábado, 9 de abril de 2011

Distopias Top 25 (3/3)

É difícil chegar aos melhores filmes e ordená-los por preferência. Quando a qualidade é comum e muito elevada, as diferenças são demasiado pequenas para estabelecer um ranking sólido. Se tivesse escrito isto noutro dia, a ordem final do top poderia ter sido diferente. Mas qualquer um destes filmes merece ser visto e revisto.
9
Dark City (1998)
Alex Proyas tem realizado vários filmes interessantes no género fantástico mas o seu melhor continua a ser Dark City. Uma cidade sob uma noite eterna, impossível de escapar, uma população apática perante estes estranhos eventos, memórias falhadas, e algo mais profundo a descobrir pelo protagonista. Neste filme, o personagem principal é a própria cidade. Antecipando Matrix por um ano, o enredo discute também o que é a realidade, que diferenças existe entre aquilo que percepcionamos e experimentamos por um lado, e o que realmente existe por outro. O mapa não é o território.
8
Fahrenheit 451 (1966)
François Truffaut a realizar uma adaptação de SciFi de Ray Bradbury, um escritor americano! O título refere a temperatura à qual o papel começa a arder (na verdade é em graus Celsius e não em Fahrenheit, mas soava melhor ao autor). O enredo passa-se numa cultura totalitária onde a leitura é proibida por lei. A cultura é prioritariamanete televisiva e superficial, procurando a estupidificação das massas como forma de manter o regime. Esta estrutura tem ecos no passado remoto -- o index religioso da Idade Média --, do passado recente -- a queima de livros pelos Nazis --, e infelizmente é bastante actual considerando o estado dos media televisivos com conteúdo mental nulo. A única diferença é que não se queimam livros. Não é preciso.
7
Children of Men (2006)
A destruição do ecossistema político e uma excelente realização que nos acompanha por essa desolação. O Mr.Red já falou deste filme.
6
V for Vendetta (2006)
"Remember, remember, the Fifth of November". Adaptado de um enredo de Alan Moore (com grafismo de David Lloyd), este filme foi produzido pelos irmãos Wachowski mundialmente famosos pela realização de Matrix. Num mundo em desintegração e numa Inglaterra sobre o jugo fascista, V é um anarca que pretende implodir o sistema através da acção conjunta dos cidadãos. V é representado magistralmente por Hugo Weaving, sempre escondido por uma máscara e em regime Kabuki. Um belíssimo filme sobre liberdade e opressão. 2006 foi uma boa safra no género distópico.
5
A Clockwork Orange (1971)
O filme de Kubrick adaptado do romance de Anthony Burgess sobre a violência e a ética do seu controlo. Observamos a trajectória destrutiva de um grupo de delinquentes e a subsequente resposta de um Estado totalitário, depois do protagonista ser preso e sugerido para uma técnica experimental de lavagem ao cérebro. Um filme já clássico, como muitos dos filmes de Kubrick.
4
Brazil (1985)
A obra-prima de Terry Gilliam. Numa distopia futurista, um erro administrativo (causado por uma mosca!) produz efeitos muito nefastos à saúde de várias pessoas. Gilliam é capaz de nos mostrar cenários lindíssimos e de transmitir a opressão arbitrária, Kafkiana, de um sistema totalmente opaco e indiferente à pessoa humana. Tudo isto com algum humor remanescente da sua experiência nos Monty Python.
3
The Trial (1962)
Orson Welles a adaptar Franz Kafka com Anthony Perkins como Josef K. Uma combinação de luxo entre cinema e romance. Wells consegue, com pouquíssimos recursos, transmitir a atmosfera claustrofóbica da história de Josef K., um dia acordado e acusado pela polícia. Estes dizem estar K. acusado de um processo mas não lhe dizem sequer o assunto da acusação. O tema é o abuso da lei pelos agentes da lei e o quão podemos nos tornar indefesos perante estas forças sem rosto. Kafka escreveu O Processo antes dos pesadelos totalitários de Hitler e Stalin. Mas mais do que profético, estes abusos são transversais a todos os sistemas de governo, mesmo nas nossas democracias representativas. Com o aumentar de complexidade legal e social, com o acumular de recolha de informação privada e o cruzamento dessa informação em bases de dados obscuras, o aviso de Kafka é mais moderno que o Big Brother de Orwell.
2
Metropolis (1927)
A nossa visita a uma Utopia futura, onde as classes mais ricas vivem do trabalho da esmagadora classe de trabalhadores escravos. Dominados e controlados, estes trabalhadores são apenas a parte orgânica de uma grande máquina que, indiferente, produz o que tem de produzir. Um filme seminal de SciFi e do género distópico. Infelizmente, Fritz Lang viu a sua obra-prima retalhada por editores braindead, que a desfiguraram para ir ao encontro do gosto americano da altura. Durante 80 anos procurou-se a versão original que só foi encontrada em 2008, num museu de cinema argentino. Finalmente podemos ver a versão original quase completa de um dos filmes mais influentes de todos os tempos.
1
Nineteen Eighty-Four (1984)
A melhor adaptação do livro de Orwell. Orwell foi um jornalista, activista e um pensador político que marcou o meio do Século XX. O principal da sua obra é uma reflexão sobre os perigos dos sistemas totalitários (algo comum, na altura, entre nazis e comunistas), sendo 1984 a sua obra-prima ficcional. O filme é bastante fiel ao livro e consegue transmitir a desolação psicológica de alguém constantemente vigiado (até em casa há câmaras que o observam), reduzido a um número, a um algoritmo que se inicia de manhã e termina, exausto, à noite. Felizmente para nós, este tipo de sociedade falhou, e está hoje um pouco mais longe do que estava na época de Orwell. Claro, outras possibilidades inimigas da liberdade podem ainda acontecer. Esse é o papel social principal deste género literário e cinéfilo: manter-nos alertas.