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Argumento deste filme: o nosso Sol, por algum motivo cósmico, começou a perder potência e está a produzir cada vez menos calor. A Humanidade está ameaçada de extinção pelo frio e decide reagir, enviando uma nave até à sua superfície. Esta nave transporta uma enorme bomba nuclear capaz, segundo a teoria xpto vigente, de reactivar o processo de fusão nuclear solar. A explosão fará com que a nossa estrela volte ao seu ciclo normal salvando, assim, a vida na Terra.
Uma primeira nave, Icarus (uma metáfora apropriada, considerando a situação), foi enviada há sete anos atrás. No entanto, a tripulação falhou a missão mas nada se sabe sobre o que aconteceu. Um dos motivos é que, a partir de uma certa distância, a radiação solar é tão forte que interfere e impede as comunicações com a Terra (eles chamam-lhe a Zona Morta). Desta forma, as nações terrestres juntaram-se, e num esforço último (minando o restante material físsil ainda existente à superfície da Terra) constroem uma segunda nave, Icarus II, para uma derradeira missão. Se a nova tripulação falhar, a Terra está condenada.
O filme segue o destino da tripulação do Icarus II. Começamos o filme no momento em que a nave está prestes a entrar na Zona Morta, e estão a ultimar-se as mensagens finais para familiares e amigos.
Searle (Cliff Curtis: Bringing Out the Dead, Virus, The Fountain), o psicólogo da equipe, está a admirar o Sol numa das janelas da nave. O computador diz-lhe que o filtro apenas deixa passar 2% da luminosidade real da estrela. Searle está fascinado com o impacto da luz e pede ao sistema para deixar passar o limite máximo de luz que não cause perigo de cegueira (que é 3.1%). E nesse momento, o filme mostra-nos habilmente um pouco da força de uma estrela moribunda ainda a uma distância de 50 milhões de quilómetros.
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e massa de 33.000.000.000 triliões de toneladas
Mas o inesperado acontece quando, ao passar pela superfície de Mercúrio, descobrem um vestígio da Icarus I. Cabe agora à tripulação a resolução de um dilema: mudam a sua trajectória para ir ao encontro da nave irmã, ou seguem a rota original como se nada se passasse? A tripulação olha para Robert Capa (Cillian Murphy: 28 Days Later, The Dark Knight, Inception), o físico da nave à procura de uma resposta...
Sunshine é um dos meus filmes preferidos de SciFi desta última década. Apesar de partir de uma premissa sem sentido em termos físicos: a actividade nuclear do Sol ocorre no seu núcleo, a centenas de milhar de quilómetros de distância da sua superfície, onde a explosão nuclear iria ocorrer. É totalmente impossível que uma missão destas tivesse qualquer tipo de sucesso, excepto se a missão fosse realizar o fogo de artifício mais discreto e caro da História. Mas enfim, é a premissa inicial do filme e é suposto ao espectador assumir estas premissas iniciais. Há muitos filmes que se esquecem deste acordo implícito, e metem à pressão, seja no meio seja no fim, uma série de esquemas manhosos para avançar a acção ou salvar os heróis. Confesso que tenho alergia a oráculos e deus ex machina como ferramentas de narrativa e, isso, o argumento evita.
O filme consegue manter uma tensão psicológica desde quase o início até ao fim. Observamos como um conjunto de pessoas muito racional e psicologicamente estável (excepto Capa) podem ceder perante a pressão do inesperado. O Sol é ambivalente: por um lado é a salvação da Humanidade mas, por outro, é também o perigo último e constante à fragilidade da tripulação. Os Homens não foram feitos para se aproximar de tamanha violência por mais tecnologia que os proteja. Quem ousa fazê-lo correrá sempre o risco de ser inapelavelmente destruído.
[spoilers]
Quem já viu o filme, sabe que a Icarus I é habitada ainda por Pinbacker (Mark Strong: Syriana, RocknRolla, Kick-Ass) que foi capaz de sobreviver, graças à estufa da nave, a sete anos de solidão. A entrada em cena de Pinbacker transforma Sunshine num filme de terror, quase eclipsando a missão da nave, para nos centrar na sobrevivência da tripulação perante um serial-killer motivado por ilusões messiânicas. Esta personagem mostra-nos a importância dos outros. A noção de pessoa é um conceito social, sem sociedade não haveriam pessoas. Uma pessoa mais isolada, como uma comunidade numa ilha, tende a divergir do normal pela falta das constantes sincronizações, necessárias a essa normalização (com tudo o que de bom e de mau que isto implique). Uma pessoa totalmente isolada, como Pinbacker, por tanto tempo, diverge totalmente. Para lutar contra o perigo real de dissolução (o perigo de deixar de ser pessoa) é possível responder com a criação de um pseudo-social -- habitado por personas virtuais, por deuses ou amigos imaginários -- que compensa a falta de estímulo exterior e independente. Mas o preço a pagar para evitar a dissolução é a fragmentação, e ninguém fica incólume em qualquer um destes processos.
O filme transmite bem o inóspito do espaço exterior e do espaço interior, quão belos e perigosos podem ser ao mesmo tempo. Como um pôr-do-sol numa ilha deserta.
Imdb: http://www.imdb.com/title/tt0448134/
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