quarta-feira, 30 de março de 2011

Sunshine (2007)

Danny Boyle é um realizador muito versátil. O seu primeiro filme para cinema, Shallow Grave, é um Thriller sólido que aconselho, apesar de caído um pouco no esquecimento. O seu segundo filme é o fabuloso Trainspotting que tenho alguma dificuldade em situar (somente comédia deixa algo por dizer). Ele fez um filme de terror que marcou os zombies da década de 2000, 28 Days Later, ao tornar central o conceito de zombies a correr, uma ideia brilhante que causou impacto nos filmes do género que se seguiram como o belo remake do Dawn of the Dead (por este filme, a gente perdoa até os mochos do Zack Snider) ou a recente série The Walking Dead. Há filmes anteriores que mostram zombies a correr, mas creio que foi o 28 Days que demonstrou definitivamente o potencial da ideia. Bem, mas já estou a perder-me nos zombies. Voltando ao Boyle, a sua carreira ganhou prestígio mundial com o Óscar para o Slumdog Millionaire, outro filme que não tem nada a ver com a sua filmografia anterior. Mas anterior ao Slumdog, Boyle realizou um filme de SciFi: Sunshine.

Argumento deste filme: o nosso Sol, por algum motivo cósmico, começou a perder potência e está a produzir cada vez menos calor. A Humanidade está ameaçada de extinção pelo frio e decide reagir, enviando uma nave até à sua superfície. Esta nave transporta uma enorme bomba nuclear capaz, segundo a teoria xpto vigente, de reactivar o processo de fusão nuclear solar. A explosão fará com que a nossa estrela volte ao seu ciclo normal salvando, assim, a vida na Terra.

Uma primeira nave, Icarus (uma metáfora apropriada, considerando a situação), foi enviada há sete anos atrás. No entanto, a tripulação falhou a missão mas nada se sabe sobre o que aconteceu. Um dos motivos é que, a partir de uma certa distância, a radiação solar é tão forte que interfere e impede as comunicações com a Terra (eles chamam-lhe a Zona Morta). Desta forma, as nações terrestres juntaram-se, e num esforço último (minando o restante material físsil ainda existente à superfície da Terra) constroem uma segunda nave, Icarus II, para uma derradeira missão. Se a nova tripulação falhar, a Terra está condenada.

O filme segue o destino da tripulação do Icarus II. Começamos o filme no momento em que a nave está prestes a entrar na Zona Morta, e estão a ultimar-se as mensagens finais para familiares e amigos.

Searle (Cliff Curtis: Bringing Out the Dead, Virus, The Fountain), o psicólogo da equipe, está a admirar o Sol numa das janelas da nave. O computador diz-lhe que o filtro apenas deixa passar 2% da luminosidade real da estrela. Searle está fascinado com o impacto da luz e pede ao sistema para deixar passar o limite máximo de luz que não cause perigo de cegueira (que é 3.1%). E nesse momento, o filme mostra-nos habilmente um pouco da força de uma estrela moribunda ainda a uma distância de 50 milhões de quilómetros.


A tripulação é composta por oito membros e observamos um pouco do seu dia-a-dia, a forma como se relacionam e a estrutura hierárquica de poder. A nave é muito alongada e está protegida por um enorme disco refletor que protege a sua integridade contra o calor e a força do vento solar. Nesse mesmo disco, encontra-se o material explosivo e o sistema de ignição da bomba. A nave também possui uma estufa para produção de oxigénio e algum alimento para manter vivos os tripulantes até que possam voltar para a Terra.

Há um momento belíssimo (eu sou da geração do Cosmos...) quando a tripulação se junta para ver o trânsito de Mercúrio. É mais uma oportunidade para tentarmos intuir a dimensão real do nosso Sol, como ele torna anões até os planetas do sistema solar, mesmo quando estão bastante mais perto de nós. É um momento muito bem acompanhado com a música do inglês John Murphy, o responsável pela banda sonora (com trabalhos em vários filmes de Boyle como para filmes do Guy Ritchie).

sim, a bolinha preta é Mercúrio, um planeta com 5000 Km de diâmetro
e massa de 33.000.000.000 triliões de toneladas

Mas o inesperado acontece quando, ao passar pela superfície de Mercúrio, descobrem um vestígio da Icarus I. Cabe agora à tripulação a resolução de um dilema: mudam a sua trajectória para ir ao encontro da nave irmã, ou seguem a rota original como se nada se passasse? A tripulação olha para Robert Capa (Cillian Murphy: 28 Days Later, The Dark Knight, Inception), o físico da nave à procura de uma resposta...

Sunshine é um dos meus filmes preferidos de SciFi desta última década. Apesar de partir de uma premissa sem sentido em termos físicos: a actividade nuclear do Sol ocorre no seu núcleo, a centenas de milhar de quilómetros de distância da sua superfície, onde a explosão nuclear iria ocorrer. É totalmente impossível que uma missão destas tivesse qualquer tipo de sucesso, excepto se a missão fosse realizar o fogo de artifício mais discreto e caro da História. Mas enfim, é a premissa inicial do filme e é suposto ao espectador assumir estas premissas iniciais. Há muitos filmes que se esquecem deste acordo implícito, e metem à pressão, seja no meio seja no fim, uma série de esquemas manhosos para avançar a acção ou salvar os heróis. Confesso que tenho alergia a oráculos e deus ex machina como ferramentas de narrativa e, isso, o argumento evita.

O filme consegue manter uma tensão psicológica desde quase o início até ao fim. Observamos como um conjunto de pessoas muito racional e psicologicamente estável (excepto Capa) podem ceder perante a pressão do inesperado. O Sol é ambivalente: por um lado é a salvação da Humanidade mas, por outro, é também o perigo último e constante à fragilidade da tripulação. Os Homens não foram feitos para se aproximar de tamanha violência por mais tecnologia que os proteja. Quem ousa fazê-lo correrá sempre o risco de ser inapelavelmente destruído.

[spoilers]

Quem já viu o filme, sabe que a Icarus I é habitada ainda por Pinbacker (Mark Strong: Syriana, RocknRolla, Kick-Ass) que foi capaz de sobreviver, graças à estufa da nave, a sete anos de solidão. A entrada em cena de Pinbacker transforma Sunshine num filme de terror, quase eclipsando a missão da nave, para nos centrar na sobrevivência da tripulação perante um serial-killer motivado por ilusões messiânicas. Esta personagem mostra-nos a importância dos outros. A noção de pessoa é um conceito social, sem sociedade não haveriam pessoas. Uma pessoa mais isolada, como uma comunidade numa ilha, tende a divergir do normal pela falta das constantes sincronizações, necessárias a essa normalização (com tudo o que de bom e de mau que isto implique). Uma pessoa totalmente isolada, como Pinbacker, por tanto tempo, diverge totalmente. Para lutar contra o perigo real de dissolução (o perigo de deixar de ser pessoa) é possível responder com a criação de um pseudo-social -- habitado por personas virtuais, por deuses ou amigos imaginários -- que compensa a falta de estímulo exterior e independente. Mas o preço a pagar para evitar a dissolução é a fragmentação, e ninguém fica incólume em qualquer um destes processos.

O filme transmite bem o inóspito do espaço exterior e do espaço interior, quão belos e perigosos podem ser ao mesmo tempo. Como um pôr-do-sol numa ilha deserta.


Imdb: http://www.imdb.com/title/tt0448134/

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