sexta-feira, 11 de março de 2011

Los cronocrímenes, aka, Timecrimes (2007)

Hector (Karra Elejalde) e a sua mulher Clara (Candela Fernández) estão a mudar-se para uma nova casa, uma ampla vivenda no meio do campo. Tudo muito classe média alta, muito normal, muito pacífico.

Hector tem um pouco de peeping tom, de bisbilhoteiro. Ele gosta de observar, de binóculos, o espaço em volta da casa (à procura sabe-se lá de quê). Quando está a descansar, por entre a desarrumação da casa, toca o telefone (apesar de ninguém ainda saber este novo número). Ele atende mas ninguém diz nada do outro lado da linha. Quando tenta telefonar de volta, não tem sucesso. Hector acha um pouco estranho e percebemos que ficou incomodado com o evento.

Já no jardim, outra vez com os binóculos, descobre uma rapariga parada no bosque. Não se vê bem o seu rosto, talvez esteja assustada. Pouco depois, apesar de parecer sozinha, ela começa a despir-se.

De repente, Clara volta de dentro de casa e Hector disfarça a sua indiscrição, não lhe dizendo nada. Clara vai sair. Hector despede-se e, uma vez sozinho em casa, decide dirigir-se até ao local onde vira a misteriosa rapariga. Quando o encontra vê a tal rapariga, mas ela está deitada no chão, imóvel. Estará desmaiada? Morta?

Quando se aproxima, alguém que se encontrava escondido, ataca-o e espeta-lhe uma tesoura no braço. Alguém desconhecido mas que Hector conhece muitíssimo bem...


Este filme tem como principal tópico as viagens no tempo. O que é interessante, para além de ser capaz de manter o suspense que constrói, é a coerência do argumento, algo nada fácil quando se trata de viagens para o passado. Desde o romance de H.G.Wells, The Time Machine de 1895, que as máquinas do tempo fornecem um pano de fundo privilegiado para as narrativas de SciFi. No cinema temos a famosa e largamente sobrevalorizada trilogia Back from the Futureou os filmes do Terminator que mantém a coerência apenas no primeiro (e melhor) filme. A própria adaptação do romance de Wells, realizada em 1960, é também um clássico do género. Um outro filme recente que recomendo é Primer, de 2004, um pequeno filme com orçamento microscópico que dá para escrever por extenso (sete mil dólares) mas com um argumento muito exigente para o espectador (coisa rara nestes dias) sobre um inesperado e progressivo problema temporal.

Na televisão a série que usa mais extensivamente o conceito é Dr.Who, a produção inglesa que atravessa já cinco décadas! Mas muitas outras séries de SciFi já tiveram episódios com viagens no tempo. O franchise Star Trek tem vários episódios mas, como em muitos outros temas, não é nada coerente na forma como adapta o conceito (há pelo menos seis teorias diferentes utilizadas). Outra série que mostra viagens no tempo é o hiper-clássico The Twilight Zone (cf. episódios 126, 313 e 410).

Há igualmente limitações na forma de viajar. Em certos filmes pode-se viajar para o passado e para o futuro, como no Back from the Future ou no Time Machine. Noutros apenas se pode viajar para o passado (como no Terminator) ou para o futuro (como no Idiocracy ou no Alien) o que basicamente é equivalente a uma suspensão criogénica, algo muito mais próximo de ser possível mas igualmente cheio de potencialidades narrativas (a pessoa do passado que se vê desterrada para um futuro onde nada lhe é próximo é um tema comum na literatura SciFi e serve de analogia aos dilemas muito reais da migração).

Um dos aspectos mais interessantes sobre as viagens ao passado é perceber até que ponto podemos alterar esse passado. Qualquer narrativa que admita essa possibilidade entra imediatamente em perigo de paradoxo. Ou qualquer acto novo origina uma nova linha de tempo (e um novo Universo, o que, convenhamos, é uma solução muito pouco económica) ou qualquer acto novo é impossível. O que nos parece um acto original é apenas um acto inevitável para que o presente, de onde o agente veio, se possa concretizar. Esta segunda solução é a única capaz de manter a coerência da linha temporal que, assim, se torna única. O exemplo do primeiro filme do Terminator é exemplar: se SkyNet não tivesse enviado uma máquina para matar Sarah Connor, o seu filho jamais teria nascido (por este motivo, SkyNet não poderia ter agido de outra forma: se o Terminator não viesse para o passado, o próprio SkyNet não teria existido. Infelizmente, esta linha de argumento é desfeita no Terminator 2, quando os Connor são capazes de evitar o holocausto nuclear...). Claro que uma linha temporal única levanta a velha questão: se está tudo determinado, como é pode existir livre arbítrio? Bem, isto tem animado séculos de discussões filosóficas mas, na verdade, o livre arbítrio é uma ilusão cognitiva. Como não existe, não há nada que possa interferir com uma possível viagem no tempo. Aliás, se os eventos do passado precisam de acções do futuro, a viagem no tempo tem mesmo que se realizar! E é esta interpretação exacta que é seguida pelo Cronocrímenes conseguindo, por isso, escapar aos paradoxos e aos buracos de argumento mais comuns deste género de filmes. Tudo isto fruto de uma boa direcção, com pouquíssimos meios de produção, muito limitado espacialmente, e decorrendo a acção num único dia. É obra.

A ver!

Este trailer tem má qualidade mas o destinado ao mercado americano tem mais spoilers que este vídeo.



Imdb: http://www.imdb.com/title/tt0480669/

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