quarta-feira, 30 de março de 2011

Sunshine (2007)

Danny Boyle é um realizador muito versátil. O seu primeiro filme para cinema, Shallow Grave, é um Thriller sólido que aconselho, apesar de caído um pouco no esquecimento. O seu segundo filme é o fabuloso Trainspotting que tenho alguma dificuldade em situar (somente comédia deixa algo por dizer). Ele fez um filme de terror que marcou os zombies da década de 2000, 28 Days Later, ao tornar central o conceito de zombies a correr, uma ideia brilhante que causou impacto nos filmes do género que se seguiram como o belo remake do Dawn of the Dead (por este filme, a gente perdoa até os mochos do Zack Snider) ou a recente série The Walking Dead. Há filmes anteriores que mostram zombies a correr, mas creio que foi o 28 Days que demonstrou definitivamente o potencial da ideia. Bem, mas já estou a perder-me nos zombies. Voltando ao Boyle, a sua carreira ganhou prestígio mundial com o Óscar para o Slumdog Millionaire, outro filme que não tem nada a ver com a sua filmografia anterior. Mas anterior ao Slumdog, Boyle realizou um filme de SciFi: Sunshine.

Argumento deste filme: o nosso Sol, por algum motivo cósmico, começou a perder potência e está a produzir cada vez menos calor. A Humanidade está ameaçada de extinção pelo frio e decide reagir, enviando uma nave até à sua superfície. Esta nave transporta uma enorme bomba nuclear capaz, segundo a teoria xpto vigente, de reactivar o processo de fusão nuclear solar. A explosão fará com que a nossa estrela volte ao seu ciclo normal salvando, assim, a vida na Terra.

Uma primeira nave, Icarus (uma metáfora apropriada, considerando a situação), foi enviada há sete anos atrás. No entanto, a tripulação falhou a missão mas nada se sabe sobre o que aconteceu. Um dos motivos é que, a partir de uma certa distância, a radiação solar é tão forte que interfere e impede as comunicações com a Terra (eles chamam-lhe a Zona Morta). Desta forma, as nações terrestres juntaram-se, e num esforço último (minando o restante material físsil ainda existente à superfície da Terra) constroem uma segunda nave, Icarus II, para uma derradeira missão. Se a nova tripulação falhar, a Terra está condenada.

O filme segue o destino da tripulação do Icarus II. Começamos o filme no momento em que a nave está prestes a entrar na Zona Morta, e estão a ultimar-se as mensagens finais para familiares e amigos.

Searle (Cliff Curtis: Bringing Out the Dead, Virus, The Fountain), o psicólogo da equipe, está a admirar o Sol numa das janelas da nave. O computador diz-lhe que o filtro apenas deixa passar 2% da luminosidade real da estrela. Searle está fascinado com o impacto da luz e pede ao sistema para deixar passar o limite máximo de luz que não cause perigo de cegueira (que é 3.1%). E nesse momento, o filme mostra-nos habilmente um pouco da força de uma estrela moribunda ainda a uma distância de 50 milhões de quilómetros.


A tripulação é composta por oito membros e observamos um pouco do seu dia-a-dia, a forma como se relacionam e a estrutura hierárquica de poder. A nave é muito alongada e está protegida por um enorme disco refletor que protege a sua integridade contra o calor e a força do vento solar. Nesse mesmo disco, encontra-se o material explosivo e o sistema de ignição da bomba. A nave também possui uma estufa para produção de oxigénio e algum alimento para manter vivos os tripulantes até que possam voltar para a Terra.

Há um momento belíssimo (eu sou da geração do Cosmos...) quando a tripulação se junta para ver o trânsito de Mercúrio. É mais uma oportunidade para tentarmos intuir a dimensão real do nosso Sol, como ele torna anões até os planetas do sistema solar, mesmo quando estão bastante mais perto de nós. É um momento muito bem acompanhado com a música do inglês John Murphy, o responsável pela banda sonora (com trabalhos em vários filmes de Boyle como para filmes do Guy Ritchie).

sim, a bolinha preta é Mercúrio, um planeta com 5000 Km de diâmetro
e massa de 33.000.000.000 triliões de toneladas

Mas o inesperado acontece quando, ao passar pela superfície de Mercúrio, descobrem um vestígio da Icarus I. Cabe agora à tripulação a resolução de um dilema: mudam a sua trajectória para ir ao encontro da nave irmã, ou seguem a rota original como se nada se passasse? A tripulação olha para Robert Capa (Cillian Murphy: 28 Days Later, The Dark Knight, Inception), o físico da nave à procura de uma resposta...

Sunshine é um dos meus filmes preferidos de SciFi desta última década. Apesar de partir de uma premissa sem sentido em termos físicos: a actividade nuclear do Sol ocorre no seu núcleo, a centenas de milhar de quilómetros de distância da sua superfície, onde a explosão nuclear iria ocorrer. É totalmente impossível que uma missão destas tivesse qualquer tipo de sucesso, excepto se a missão fosse realizar o fogo de artifício mais discreto e caro da História. Mas enfim, é a premissa inicial do filme e é suposto ao espectador assumir estas premissas iniciais. Há muitos filmes que se esquecem deste acordo implícito, e metem à pressão, seja no meio seja no fim, uma série de esquemas manhosos para avançar a acção ou salvar os heróis. Confesso que tenho alergia a oráculos e deus ex machina como ferramentas de narrativa e, isso, o argumento evita.

O filme consegue manter uma tensão psicológica desde quase o início até ao fim. Observamos como um conjunto de pessoas muito racional e psicologicamente estável (excepto Capa) podem ceder perante a pressão do inesperado. O Sol é ambivalente: por um lado é a salvação da Humanidade mas, por outro, é também o perigo último e constante à fragilidade da tripulação. Os Homens não foram feitos para se aproximar de tamanha violência por mais tecnologia que os proteja. Quem ousa fazê-lo correrá sempre o risco de ser inapelavelmente destruído.

[spoilers]

Quem já viu o filme, sabe que a Icarus I é habitada ainda por Pinbacker (Mark Strong: Syriana, RocknRolla, Kick-Ass) que foi capaz de sobreviver, graças à estufa da nave, a sete anos de solidão. A entrada em cena de Pinbacker transforma Sunshine num filme de terror, quase eclipsando a missão da nave, para nos centrar na sobrevivência da tripulação perante um serial-killer motivado por ilusões messiânicas. Esta personagem mostra-nos a importância dos outros. A noção de pessoa é um conceito social, sem sociedade não haveriam pessoas. Uma pessoa mais isolada, como uma comunidade numa ilha, tende a divergir do normal pela falta das constantes sincronizações, necessárias a essa normalização (com tudo o que de bom e de mau que isto implique). Uma pessoa totalmente isolada, como Pinbacker, por tanto tempo, diverge totalmente. Para lutar contra o perigo real de dissolução (o perigo de deixar de ser pessoa) é possível responder com a criação de um pseudo-social -- habitado por personas virtuais, por deuses ou amigos imaginários -- que compensa a falta de estímulo exterior e independente. Mas o preço a pagar para evitar a dissolução é a fragmentação, e ninguém fica incólume em qualquer um destes processos.

O filme transmite bem o inóspito do espaço exterior e do espaço interior, quão belos e perigosos podem ser ao mesmo tempo. Como um pôr-do-sol numa ilha deserta.


Imdb: http://www.imdb.com/title/tt0448134/

quarta-feira, 16 de março de 2011

The Last Man On Earth (1964); Omega Man (1971); I am Legend (2007)

I Am Legend é uma novela de horror de 1954 do escritor americano Richard Matheson.

A novela descreve um mundo pós-apocalíptico após uma praga ter eliminado praticamente toda a população humana. A personagem principal é Robert Neville que vive em Los Angeles e procura sobreviver tanto na recolha de víveres no dia-a-dia, como a evitar a comunidade de vampiros que controla a cidade durante a noite. Ele de dia é caçador e os vampiros presas. De noite os papéis invertem-se. Este post tem como objectivo apresentar as três principais adaptações do I Am Legend (sim, há pelo menos mais um remake...). E não esquecer que esta obra serviu de inspiração ao clássico zombie de 1968, Night of the Living Dead, do padrinho dos zombies, George Romero.

Como curiosidade, Matheson também escreveu, entre outras obras, duas novelas que derivaram em dois filmes clássicos: The Incredible Shrinking Man de 1957 e Duel de 1971 (o primeiro filme de Spielberg).

The Last Man On Earth (1964)
Dr. Robert Morgan (Vicent Price) é, aparentemente, o último homem na terra. Houve uma praga bacteriana que matou todas as pessoas excepto ele próprio que é imune à doença (ele pensa que foi devido a uma mordida de morcego nas suas viagens exóticas, whatever...). O problema principal é que muitas das pessoas que morreram tornaram-se zombies vampiros (falantes!), que deabulam pela noite à procura de sangue fresco (e se ele é de facto o único homem na terra, já devem andar com alguma fome).

Morgan prepara-se, todos os dias, para ser cercado por hordas de zombies nocturnos que tentam entrar na sua casa-forte.

De resto, os seus dias são passados a recolher cadáveres, a queimá-los (para que não se tornem zombies) e a ecolher comida e objectos vários. Ah!, e a matar zombies que encontra durante o dia.

Até que um dia encontra uma mulher não infectada, Ruth (Franca Bettoia). O que mudará depois desta descoberta?

Este filme, de orçamento reduzido, adapta o I Am Legend usando como actor principal uma outra lenda, o grande Vincent Price. Possui uma narrativa lenta mas que é adequada para dar a sensação de desolação do último homem, um cientista que se vê transformado num sobrevivente. Acho que o filme consegue transmitir um pouco do que seria a monotonia violenta de uma situação destas, quando a menor falha significa o descalabro e a morte. Um justo percursor do sucesso continuado que têm tido os zombies.

The Omega Man (1971)
No Omega Man o vírus foi lançado como arma biológica numa 3ª guerra mundial (um conflito que começa entre a China e a URSS). O coronel Robert Neville (Charlton Heston) é um cientista militar que trabalhava numa cura e, já bem dentro do colapso, acaba por experimentar uma vacina experimental que funciona: ele torna-se imune à doença. Só que é tarde demais, o mundo está a morrer.

Neville vagueia pelo dia, sozinho na cidade, até que encontra um grupo de jovens adultos e crianças que ainda não têm a doença (os velhos seriam mais susceptíveis a uma contaminação mais célere). E apaixona-se por uma dessas sobreviventes, Lise (Rosalind Cash). Com a perspectiva de não ficar sozinho, Neville decide fugir da cidade, levando todos, só que Lise tem um irmão a morrer e ele talvez tenha uma solução na sua casa...

Nesta versão, a cidade é ocupada à noite por sobreviventes da doença, e não zombies ou vampiros. Só que estes sobreviventes ficaram com um conjunto de marcas que os destinguem das pessoas normais: são albinos e, por isso susceptíveis à luz (não se percebe porque não andariam de dia tapados...) e sofrem de ilusões psicóticas. Eles são A Família, uma seita ludita, contra a tecnologia e a ciência. São o advento de uma nova era medieval e pregam uma religião contra o progresso (que afinal trouxe um Apocalipse biológico). Usam o fogo para limpar o pecado, queimando livros e eventualmente uma vítima ou outra. Eles representam a queda final da civilização, os bárbaros da nossa Roma redux. Perto do fim do filme, ouvimos Heston responder a Jonathan (Anthony Zerbe), o líder da seita, quando ele fala em reconstrução: "Build coffins. Is all you need".

O filme até tem boas intenções: (a) A moça que Heston se apaixona é negra (estamos nos anos 70 nos EUA, don't forget); (b) há uma preocupação referente ao aspecto anti-científico dos movimentos religiosos (que se tem vindo a agravar até níveis surreais na política actual americana); (c) as questões das armas de destruição massiva (o filme é produzido em plena guerra fria).

Mas, não há volta a dar, The Omega Man é muito fraquinho. Má representação, maus efeitos especiais (mesmo para a altura), buracos de argumento maiores que o deficit português, erros de edição (alguns cortes no filme que não foram corrigidos), a tentativa de colocar o personagem de Heston como um novo Messias (a crítica do filme não era precisamente contra este tipo de narrativa?).

Espero que o Charlton Heston não costumasse rir muito nos seus outros filmes, falta-lhe ali algum treino.

I am Legend (2007)

Robert Neville (Will Smith) é um cientista em NY que tenta encontra uma cura para a doença que limpou a cidade e o mundo. Ele é imune e foi capaz de sobreviver sozinho durante três anos. Diariamente envia mensagens rádio à procura de alguém ainda vivo. Nesta adaptação, aqueles que apanharam a doença e sobreviveram, foram mutados numa espécie de vampiros com força sobre-humana e extremamente perigosos. Enfim, de resto a história é a mesma.



Esta versão tem muito melhor produção, os efeitos especiais são capazes de transmitir o ambiente de forma muito mais eficaz e é um filme, no geral, muito bem equilibrado. O problema maior não é artístico mas sim ideológico, o filme é uma vítima dos sinais dos tempos. Por um lado, o fim do filme tem um cunho religioso que considero desnecessário. Este é um problema biológico que o personagem tenta (e consegue) resolver cientificamente. Fica a sensação que afinal tudo é um grande plano divino de recomeço (um novo tipo de diluvio) que não tem nada a ver com o resto do argumento. [spoilers] Pior ainda é o fim relativamente em aberto para a Humanidade. Os dois primeiros filmes, apesar de terem mudado o nome do título são capazes de manter a coerência do fim da novela: é ele, o caçador, o último dos homens, que se tornou a aberração. Uma nova sociedade, pior ou melhor, está a nascer e os homens e mulheres passadas nada mais são que um pesadelo passado do qual ele é o último eco, e, por isso, irá tornar-se uma lenda. Suponho que Hollywood é incapaz de deixar, hoje em dia, uma mensagem tão pessimista ao seu infantilizado target... Apareceu, creio que na versão DVD, um final alternativo que mostra, pelo menos, que a horda de vampiros tem uma estrutura social emergente, o que compensa um pouco o triste final oficial.


http://www.imdb.com/title/tt0058700/ (1964)


http://www.imdb.com/title/tt0067525/
(1971)


http://www.imdb.com/title/tt0480249/ (2007)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Los cronocrímenes, aka, Timecrimes (2007)

Hector (Karra Elejalde) e a sua mulher Clara (Candela Fernández) estão a mudar-se para uma nova casa, uma ampla vivenda no meio do campo. Tudo muito classe média alta, muito normal, muito pacífico.

Hector tem um pouco de peeping tom, de bisbilhoteiro. Ele gosta de observar, de binóculos, o espaço em volta da casa (à procura sabe-se lá de quê). Quando está a descansar, por entre a desarrumação da casa, toca o telefone (apesar de ninguém ainda saber este novo número). Ele atende mas ninguém diz nada do outro lado da linha. Quando tenta telefonar de volta, não tem sucesso. Hector acha um pouco estranho e percebemos que ficou incomodado com o evento.

Já no jardim, outra vez com os binóculos, descobre uma rapariga parada no bosque. Não se vê bem o seu rosto, talvez esteja assustada. Pouco depois, apesar de parecer sozinha, ela começa a despir-se.

De repente, Clara volta de dentro de casa e Hector disfarça a sua indiscrição, não lhe dizendo nada. Clara vai sair. Hector despede-se e, uma vez sozinho em casa, decide dirigir-se até ao local onde vira a misteriosa rapariga. Quando o encontra vê a tal rapariga, mas ela está deitada no chão, imóvel. Estará desmaiada? Morta?

Quando se aproxima, alguém que se encontrava escondido, ataca-o e espeta-lhe uma tesoura no braço. Alguém desconhecido mas que Hector conhece muitíssimo bem...


Este filme tem como principal tópico as viagens no tempo. O que é interessante, para além de ser capaz de manter o suspense que constrói, é a coerência do argumento, algo nada fácil quando se trata de viagens para o passado. Desde o romance de H.G.Wells, The Time Machine de 1895, que as máquinas do tempo fornecem um pano de fundo privilegiado para as narrativas de SciFi. No cinema temos a famosa e largamente sobrevalorizada trilogia Back from the Futureou os filmes do Terminator que mantém a coerência apenas no primeiro (e melhor) filme. A própria adaptação do romance de Wells, realizada em 1960, é também um clássico do género. Um outro filme recente que recomendo é Primer, de 2004, um pequeno filme com orçamento microscópico que dá para escrever por extenso (sete mil dólares) mas com um argumento muito exigente para o espectador (coisa rara nestes dias) sobre um inesperado e progressivo problema temporal.

Na televisão a série que usa mais extensivamente o conceito é Dr.Who, a produção inglesa que atravessa já cinco décadas! Mas muitas outras séries de SciFi já tiveram episódios com viagens no tempo. O franchise Star Trek tem vários episódios mas, como em muitos outros temas, não é nada coerente na forma como adapta o conceito (há pelo menos seis teorias diferentes utilizadas). Outra série que mostra viagens no tempo é o hiper-clássico The Twilight Zone (cf. episódios 126, 313 e 410).

Há igualmente limitações na forma de viajar. Em certos filmes pode-se viajar para o passado e para o futuro, como no Back from the Future ou no Time Machine. Noutros apenas se pode viajar para o passado (como no Terminator) ou para o futuro (como no Idiocracy ou no Alien) o que basicamente é equivalente a uma suspensão criogénica, algo muito mais próximo de ser possível mas igualmente cheio de potencialidades narrativas (a pessoa do passado que se vê desterrada para um futuro onde nada lhe é próximo é um tema comum na literatura SciFi e serve de analogia aos dilemas muito reais da migração).

Um dos aspectos mais interessantes sobre as viagens ao passado é perceber até que ponto podemos alterar esse passado. Qualquer narrativa que admita essa possibilidade entra imediatamente em perigo de paradoxo. Ou qualquer acto novo origina uma nova linha de tempo (e um novo Universo, o que, convenhamos, é uma solução muito pouco económica) ou qualquer acto novo é impossível. O que nos parece um acto original é apenas um acto inevitável para que o presente, de onde o agente veio, se possa concretizar. Esta segunda solução é a única capaz de manter a coerência da linha temporal que, assim, se torna única. O exemplo do primeiro filme do Terminator é exemplar: se SkyNet não tivesse enviado uma máquina para matar Sarah Connor, o seu filho jamais teria nascido (por este motivo, SkyNet não poderia ter agido de outra forma: se o Terminator não viesse para o passado, o próprio SkyNet não teria existido. Infelizmente, esta linha de argumento é desfeita no Terminator 2, quando os Connor são capazes de evitar o holocausto nuclear...). Claro que uma linha temporal única levanta a velha questão: se está tudo determinado, como é pode existir livre arbítrio? Bem, isto tem animado séculos de discussões filosóficas mas, na verdade, o livre arbítrio é uma ilusão cognitiva. Como não existe, não há nada que possa interferir com uma possível viagem no tempo. Aliás, se os eventos do passado precisam de acções do futuro, a viagem no tempo tem mesmo que se realizar! E é esta interpretação exacta que é seguida pelo Cronocrímenes conseguindo, por isso, escapar aos paradoxos e aos buracos de argumento mais comuns deste género de filmes. Tudo isto fruto de uma boa direcção, com pouquíssimos meios de produção, muito limitado espacialmente, e decorrendo a acção num único dia. É obra.

A ver!

Este trailer tem má qualidade mas o destinado ao mercado americano tem mais spoilers que este vídeo.



Imdb: http://www.imdb.com/title/tt0480669/

domingo, 6 de março de 2011

O Dia em que os Filmes Morreram

Um óptimo artigo na GQ sobre a trajectória descendente na qualidade dos filmes de Hollywood.
The Day the Movies Died
by Mark Harris

You want to understand how bad things are in Hollywood right now—how stifling and airless and cautious the atmosphere is, how little nourishment or encouragement a good new idea receives, and how devoid of ambition the horizon currently appears—it helps to start with a success story.

Consider: Years ago, an ace filmmaker, the man who happened to direct the third-highest-grossing movie in U.S. history, The Dark Knight, came up with an idea for a big summer movie. It's a story he loved—in fact, he wrote it himself—and it belonged to a genre, the sci-fi action thriller, that zipped right down the center lane of American popular taste. He cast as his leading man a handsome actor, Leonardo DiCaprio, who happened to star in the second-highest-grossing movie in history. Finally, to cover his bet even more, he hired half a dozen Oscar nominees and winners for supporting roles.

Sounds like a sure thing, right? Exactly the kind of movie that a studio would die to have and an audience would kill to see? Well, it was. That film, Christopher Nolan's Inception, received admiring reviews, became last summer's most discussed movie, and has grossed, as of this writing, more than three-quarters of a billion dollars worldwide.

And now the twist: The studios are trying very hard not to notice its success, or to care. [...]
Continua aqui.

sexta-feira, 4 de março de 2011

The Last Exorcism (2010)

Cotton Marcus (Patrick Fabian) é um padre evangélico que seguiu as passadas do seu pai, cujo futuro passa por herdar a sua igreja e congregação. A profissão de pregador mantém a família de Cotton e é, essencialmente, o que ele sabe fazer desde pequeno.

O pai de Cotton aproveitou o seu filho pré-adolescente para o treinar na arte da retórica religiosa. E, desse modo, Cotton desde os 10, 12 anos, causou bastante furor na comunidade, atraindo e mantendo muitos fiéis seguidores.

Vemos estas imagens e ouvimos os detalhes da família de Marcus através de entrevistas e filmagens documentais. As imagens e sons estão a ser recolhidos por uma equipe de dois cineastas (imagem e som) que acompanham Cotton e conversam com ele. Desde muito cedo no filme que observamos Cotton a ser muito honesto à sua crença no que faz e na sua admissão que está mais perto de uma actor de teatro do que de um mensageiro de fé. Ou seja, ele aceita de forma cândida que é uma fraude, e que vive à custa da incredulidade do seu rebanho. Mais tarde percebemos, graças a uma experiência traumática que o fez mudar de perspectiva, que está determinado a deixar de ser pregador e seguir uma outra profissão.

Mas o objectivo do documentário não é esse. O que a equipe pretende é documentar um exorcismo ao vivo. Cotton e o pai são exorcistas também de profissão e recebem pedidos frequentes de vários locais do estado. Assim, sabemos que, mais cedo ou mais tarde, iremos acompanhar o último exorcismo do pregador Cotton Marcus.


Os filmes de exorcismos têm de viver sobre uma enorme sombra: o filme de William Friedkin, The Exorcist de 1973 é uma obra prima do Terror e um dos melhores filmes do género. Na verdade, foi o seu sucesso tão grande que quase secou esta temática, estando a ser lentamente recuperada, como foi no The Exorcism of Emily Rose de 2005, um filme competente, com boas cenas de exorcismo (mais uma vez de uma rapariga, não há nada a fazer com a avidez dos argumentis..., quero dizer, dos demónios) e com um final muito interessante. Este ano saiu um novo filme, com o Anthony Hopkins, The Rite, que ainda não vi (as críticas não são simpáticas). Bem, também há o Constantine... (mas podem esquecer este).

O género das possessões, que engloba os exorcismos (dado que a cada acto de exorcismo precede uma possessão, pelo menos em princípio), produz mais filmes e não foi tão afectado pelo sucesso d'O Exorcista. Alguns exemplos que vale a pena ver: Rosemary's Baby, The Omen, Audrey Rose, The Amityville Horror, Prince of Darkness, Fallen (um filme subvalorizado na minha opinião) ou Ninja III: The Domination (ok, ok, este foi só pelo título e por ter ninjas mortos com o poder de possuir mulheres!).

[spoilers]

The Last Exorcism é um FakeDoc, ao estilo de muitos outros desde a Bruxa de Blair (já aqui fiz uma lista sobre o assunto). A premissa do filme é bem conseguida e a maioria do enredo não parece muito forçado (talvez pela excepção de não terem chamado a polícia quando podiam). O filme consegue acumular a tensão que se inicia após o falhanço do primeiro exorcismo (que fora executado como farsa por Cotton, que interpretara a possessão da rapariga como um problema psicológico motivado pela clausura social e pressão esmagadora do pai dela).

No filme há uma crítica muito forte, implícita, a todo um tipo de actividade religiosa fraudulenta que usa e abusa da ignorância da multidão. Esta, pouco educada e cheia de superstições sobre demónios, fantasmas ou espíritos, é usada para fazer dinheiro e ganhar influência. Desde as intenções do pai de Cotton de impressionar o seu rebanho com as habilidades do filho (que teria sido visitado pelo Espírito Santo e que lhe dera o dom da palavra de deus de um dia para o outro...), à admissão de Cotton que o seu público engole qualquer coisa que ele lhe diga: logo no início do filme, ele aposta com a cineasta que consegue falar, durante a missa, de gelados de banana sem que ninguém ache estranho, ganhando a aposta e ainda recebendo como resposta uma série de améns.

Também vemos, no primeiro exorcismo na casa dos Sweetzer, os preparativos e os efeitos sonoros que Cotton esconde para impressionar o pai fanático. No enredo do filme, observamos a indústria de fazedores de fé que prospera, incólume, sob a ignorância dos seus fiéis. Na América actual, esta é uma importante mensagem política de um bastante razoável filme de Terror.



Imdb: http://www.imdb.com/title/tt1320244/