O astronauta Sam Bell (Sam Rockwell: The Assassination of Jesse James, Heist, The Green Mile) encontra-se estacionado na Lua. Sozinho, num contracto privado de três anos pela Lunar Industries, mantém em funcionamento uma estação de recolha de Helium 3, o novo petróleo do século XXI.
A estação é praticamente automática e é gerida por um computador, GERTY (voz de Kevin Spacey: Se7en, American Beauty). Sam está lá para lidar com situações exteriores (os robots não parecem estar muito desenvolvidos) nomeadamente na recolha do He3 das máquinas que o extraem do solo lunar.
O trabalho de Sam é crítico mas com a repetição e o acumular do tédio, ele torna-se desatento, passa demasiado tempo em piloto automático. Os únicos momentos de contacto emocional ocorrem quando fala com a sua mulher Tess (Dominique McElligott) por videoconferência, mas mesmo assim em diferido, devido a uma avaria nos satélites de comunicação que impedem um diálogo entre os dois (situação que a companhia não parece muito interessada em resolver). Sam consegue lutar um pouco contra uma eventual situação depressiva por já faltar poucas semanas para o fim do contrato. GERTY é uma presença constante no dia-a-dia de Sam, sendo um pouco supervisor, colega e amigo.
Entretanto, o sistema avisa-o que uma das máquinas avariou-se e é necessário ir ao local resolver o problema. Só que Sam acaba por provocar um acidente e vê-se preso no meio da superfície lunar.
Fade out. Fade in.
Sam está de volta à estação lunar, deitado, ainda inconsciente. Quando acorda, GERTY informa-o de um acidente, mas ele diz-se amnésico. Como chegou ali?
Duncan Jones escreveu e realizou este excelente filme de Sci-Fi. Para mim, Moon, está no meu Top 10 de SciFi desta primeira década (bem, talvez não seja preciso muito para estar lá, mas possivelmente está no Top 5). Considerando o facto que é o seu primeiro filme, deixa-nos com grande expectativa para a sua próxima realização do género, o filme Source Code a estrear em 2011 (cf. trailer).
Moon é um filme de meios de produção relativamente simples. O orçamento de 5 milhões, em 2009, é quase nada para Hollywood. Infelizmente, só fez 10 milhões nos cinemas, o que também é quase nada e, a meu ver, é completamente inexplicável. O filme é Sam Rockwell, comprovando a sua qualidade de actor, sendo bem coadjuvado pela voz de Spacey. A banda sonora de Clint Mansell é competente apesar de estar a anos-luz das suas incriveis bandas sonoras para os filmes The Fountain e Requiem for a Dream ambos de Darren Aronofsky. Os efeitos especiais são muito seguros, muito contidos, mas muito bonitos. Nunca se viu uma superfície lunar tão bela.
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Já nos assuntos que toca, Moon é muito interessante.
O principal assunto do filme, a meu ver, é a questão dupla da personalidade e da identidade. A questão dos clones força-nos a reflectir sobre o que é ser eu, o que fundamentalmente podemos dizer que é único em nós. Dois clones possuem o mesmo ADN (ok, também os gémeos monozigóticos). Mas neste filme, os clones possuem a mesma personalidade e as mesmas memórias referentes a um dado momento da sua história pessoal. Quando Sam4 (o Sam do início do filme) acordou, ele era igual ao Sam5 quando este acordou. Aqui a coisa fia mais fino. O que faz a diferença entre Sam4, Sam5 e o Sam1, o Sam original? É verdade que foi o Sam1 que casou com Tess, que experimentou as memórias que os clones partilham, que foi formado e recebeu treino de astronauta. Mas alguém não pode ter menos direitos, ser considerado inferior, meramente pela qualidade das suas memórias. Que garantias temos nós da qualidade das nossas? É sabido que as memórias são uma ficção continuamente trabalhada pela mente, e o que achamos ter vivido vai perdendo correspondência com que aconteceu de facto. A nossa memória é, em si, um teatro, uma ficção trabalhada pela mente para limar os defeitos e derrotas e fazer sobressair virtudes e vitórias. Não podemos definir um ente consciente e racional (e os clones de seres humanos são seres humanos) pelo seu passado mas sim pelas suas capacidades cognitivas. O principal filme que foca esta questão é, claro, Blade Runner (onde a igualmente pequena esperança de vida dos andróides faz também aí reforçar esta problemática).
A empresa do filme, mantém em regime de escravidão, um conjunto de pessoas que partilham uma personalidade inicial. Faz-me lembrar a velhinha Wesley-Yutani mas trocando os aliens por clones (o Ridley Scott está por todo o lado!). Esta actividade, nos ecos do fim do filme, percebe-se que é ilegal levando a empresa a defender-se legalmente e a perder dinheiro. A experiência que esta actividade igualmente imoral nos dá, é observar como a nossa ideia de personalidade é fluida. Gostamos de nos ver como um bloco mais ou menos constante que atravessa a vida. Mas, é muito provável que deixássemos de pensar assim se pudéssemos falar com nós próprios há 10 ou 20 anos atrás. Sam4 é irascível, está cansado, perdeu toda a paciência que Sam5, mesmo agora renascido, possui. As condições externas -- principalmente a solidão que Sam4 carrega -- mudam-nos, por vezes, de uma forma brusca e violenta. Uma pessoa não é tanto função de uma invariante psicológica mas sim de uma trajectória que evolui com o tempo e com as circunstâncias. E, creio, o filme cria-nos uma situação para que possamos presenciar isso mesmo.
Falta GERTY. Este software, e qualquer outro no universo dos filmes, terá sempre de viver à sombra do conhecido HAL 9000 (este filme faz-nos lembrar 2001 por isso, como pela solidão, perigo e indiferença do espaço). Mas neste caso, GERTY é o psicólogo que não se torna o psicopata de serviço. GERTY parece possuir emoções esquemáticas, deixando-se convencer por Sam em ultrapassar alguns dos protocolos que era suposto obedecer. GERTY toma a decisão de acordar a versão seguinte de Sam, Sam5, mas o filme não fornece informação suficiente para explicar essa iniciativa. GERTY parece estar a justificar-se à central quando Sam5 quase o surpreende. Lembrar que Sam acha que é impossível comunicar directamente com a terra por avaria dos satélites, e qualquer comunicação entre o GERTY e a empresa é um acto perigoso para a estabilidade emocional do clone de serviço. Ou seja, é admissível que GERTY tenha desenvolvido uma ligação emocional com os diversos clones que acompanha. Se Sam4 era o 4º clone, então este processo já teria, pelo menos, 12 anos (e o serão 12 anos para uma máquina que realiza ziliões de operações por segundo?). Quando Sam5 combina com GERTY que irá reiniciar a sua programação, para GERTY não se lembrar do que aconteceu (e não se ver forçado a dizer o que aconteceu), GERTY não discorda, aceita que é um passo necessário para que o seu amigo seja salvo. GERTY diz-lhe "I hope life on Earth is everything you remember it to be". E quando GERTY diz-lhe que, de seguida, tudo voltará ao normal com a ajuda do novo Sam6, Sam5 diz-lhe talvez a linha mais importante do filme:
Gerty, we're not programmed. We're people. Understand?
Imdb: http://www.imdb.com/title/tt1182345/